sábado, 7 de abril de 2018

SOBRE "FEIRAS DO DEUS ME LIVRE"

Sobre as feiras de livros – que nós, aqui da redação, preferimos chamar de Feiras do deus me livre – haveria a possibilidade de escrever um verdadeiro tratado zoológico.

Isso porque toda triste cidade tem a sua Feira do deus me livre, na qual os tipos mais estapafúrdicos da fauna escrevinhadora desfiam seu enredo de pérolas “literárias”. Misto de convenção de ogros, Festa Ploc dos anos 80 e assembleia de diletantes, as feiras há muito perderam sua relevância cultural. 


Nós, os Infames Infantes, já não aguentamos mais o amadorismo, o cabotinismo e a demonstração pública do rebaixamento estético a que as feiras foram reduzidas. Homenageia-se o pioneirismo do Fulano que distribuiu um “livro” mimeografado em 1960; reverencia-se a prodigalidade da Sicrana que escreveu versinhos enquanto tricotava uma manta para a casinha do cachorro; eleva-se à condição de referente cultural o Beltrano que produziu uma narrativa ginasiana sobre as aventuras sexuais vividas durante as férias escolares; festeja-se o Milano que... Deixemos pra lá! 

Tudo isso financiado com dinheiro público e abonado por um corpo seleto de especialistas! Tudo isso para o “bem da cultura”, para homenagear “os nossos talentos locais” e para “festejar a literatura” - expressões que ouvimos costumeiramente nos discursos pronunciados por uma caterva política incapaz de distinguir uma revista Reader’s Digest de uma obra literária. 

As Feiras do deus me livre vão mal, muito mal. Mal mesmo!

Da sua composição, via de regra, participam tantos bajuladores quantos couberem no palanque de abertura. 

Como a literatura já deixou de ser o foco do evento, a solução é transformá-la numa feira paroquial, onde tudo pode ser experimentado, exceto boa literatura. Assim, são convidados cantores, piadistas de stand up, blogueiros e cuspidores de fogo, e oferecidos food trucks, camas elásticas, pescarias, mesas de pife e canastra, bancas de adoção de animais abandonados e cursinhos expressos de degustação de vinho doce de garrafão. Tudo para entreter a audiência, que nem lembra o que realmente deveria ser homenageado.


Daqui da redação, ficamos felizes quando uma nova Feira do deus me livre é realizada. Felizes, porque há muito não participamos delas. Felizes por não fazermos coro ao freak show que faz ecoar pela triste cidade uma exaltação constrangedora da nossa indigência literária.

Joanim Farofa ed Pepe Caruncho
4º andar do Observatório Colonial

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