Tendo em vista o violento abalo sísmico provocado pela encenação da obra A revolta do moinho, nos dias 27 e 28 de julho, nós, os bravos Infames Infantes da Crítica Literária, traremos a público uma série de entrevistas com os diversos profissionais envolvidos na montagem e apresentação da peça.
E começaremos com o diretor Cristian Beltrán que, sem maquiagem e sem máscara, falou conosco pelo aplicativo Méscoler, respondendo às seguintes perguntas:
1. O que te motivou a levar ao palco, entre tantos textos clássicos da dramaturgia mundial, justamente “A revolta do Moinho”, um opúsculo distribuído gratuitamente e enfeixado com dois grampos já cheios de ferrugem?
Durante o período de leitura de textos, busco algo que, além de ser um bom texto, possa servir para estudar conceitos de dramaturgia com o grupo, algo que mostre um estilo definido e que seja atrevido na sua estrutura dramática. Assim, antes vou diretamente para escritores reconhecidos na história do teatro, como William Shakespeare, Bertolt Brecht e, desta vez, também Jean Genet. Os dois últimos foram escolhidos principalmente pelo seu conteúdo político-social, perspectiva que caracteriza minha caminhada enquanto artista com responsabilidade social e que também marca as diretrizes de criações do Coletivo Enredo, desde o seu nascimento. Mas, em meu intuito por traçar um paralelo entre um texto clássico e a atualidade, senti falta de algo mais apegado à realidade local e, embora seja indiscutível a qualidade dos autores mencionados anteriormente, eles não preenchiam minhas necessidades criativas. Quando viajei ao Chile para descansar, levei comigo o texto A Revolta do Moinho, que chegou as minhas mãos durante meu período como professor de teatro na UCS (Universidade Cocanheira de Sabugos). Comecei a lê-lo no avião e o finalizei antes mesmo de chegar em Santiago, de onde escrevi para Pedro (assistente de direção da peça) e falei: “Lê esse texto, acho que temos!” Escolhi-o, enfim, por sua complexidade, por seu nível delicado de sátira, por sua estrutura em cinco atos muito bem desenvolvidos e conectados com a cidade - e porque o autor é caxiense e não revela sua identidade.
2. Durante os ensaios, como foi lidar com a linguagem do texto, tendo em vista o vocabulário regional e a imensa quantidade de neologismos?
Depois do período de treinamento de ator (corpo, voz e intelecto), começamos com o trabalho de mesa, fizemos a leitura do texto na íntegra com personagens pré-definidos. Foi muito interessante, porque os atores e atrizes iam se encantando com o texto nas suas diferentes camadas (alguns se conectaram imediatamente com à atmosfera cômica que a peça propõe). Mas a dificuldade do vocabulário tornou-se um desafio imediato, porque o conteúdo que ela revela é muito satírico, cômico e político. E a gente se reconheceu no texto. Durante os ensaios, o texto foi se abrindo para nós, do modo que fomos “reentendendo” algumas coisas e ressignificando outras. Discutimos muito sobre o que o texto “dizia” e o que ele queria “dizer”. O subtexto traz uma camada questionadora que nos obrigou a investir em uma encenação dinâmica, viva e, como uma roda d’agua, em constante movimento.
3. O livro, além de uma série de referências culturais e históricas à Terra da Cocanha, traz muitas intertextualidades. Como foi destrinchar esses aspectos para tentar atingir o âmago do texto?
Como diretor, assumi a responsabilidade de montar ele integralmente, mas, quando se coloca um texto em cena, é tão ou mais importante pensar nas camadas que compõem a encenação: profundidade poética, visual, musical e textual. Isso, para que o espectador tenha possibilidade de compreender o espetáculo como um todo. Então, o processo de encenação foi acompanhado de pesquisa e criação para atingir todas as camadas. Tínhamos clareza da complexidade do texto em sua totalidade, pois ele é um texto literário que precisa ser lido e e relido, e, quando encenado, revisado em todas as partes mencionadas anteriormente.
4. Qual foi a reação do público à peça? Haverá novas apresentações nos palcos cocanheses?
A reação do público foi muito boa até agora. Recebemos elogios de pessoas muito influentes na cena artística local e também de pessoas com aguçado senso crítico. Isso nos deixa contentes, mas nós não nos alimentamos disso, porque sabemos da responsabilidade que temos enquanto artistas. Por causa do bom impacto, teremos novas apresentações em diferentes espaços da cidade, de agosto até dezembro.
O diretor Cristian Beltrán "perdido no palco"
Joanim Farofa & Pepe Caruncho
Direto da redação do Observatório Colonial, 4º andar
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