quinta-feira, 17 de maio de 2018

DE CAMELIVROS E CAMELIVRÓDROMOS

Temos visto, nesta triste cidade, uma proliferação de textos literários, como se estivéssemos em plena epidemia do que o honorável Joanim Pepperoni PhD chamou de Writing Obsessive-Compulsive Disorder (LOCODe atar).

Já falamos sobre isso em outro momento e, portanto, o tema não é novidade... Todavia, há que se retornar a ele, pois o caso é cada vez mais sério e requer nossa atenção (e, quem sabe, até de algum profissional de saúde laboral).

Os fatos: há poucos dias, lemos na taimelaine de um escritor, com carreira consolidada, que ele tinha cinco (!) livros prontos para publicação -  isso, considerando que esse gênio já está publicando 1,53279666 livros por ano; de outro, ouvimos pessoalmente que tinha mais de 502 (!) poemas escritos e que, nessa perspectiva, teria uns 10 livros prontos; e de um terceiro, ficamos sabendo que encomendou um software (!) para produzir poemas...

Ora, essa compulsividade pela escrita e publicação tem produzido livros de tão baixa qualidade, que lembram bugigangas fabricadas na China e contrabandeadas para o Brasil via Paraguai.

As fábricas e usinas locais, contratadas para imprimir os livros, deixam a comercialização por conta dos próprios autores. Elas abrem mão desse ônus, porque sabem que as livrarias não têm interesse nesses produtos. Resultado: os autores, como vendedores ambulantes, vão para a rua vender seus milhares de "brinquedinhos do Paraguai". 

Mas, em se tratando de livros, geralmente o consumidor que goza de liberdade e gosta de ler dirige-se até as livrarias, onde com prudência e sabedoria demora-se na procura e na escolha do livro da sua vida. Ele, pois, não os compra do camelivros...

Na escolas, contudo, a situação é diferente. Enclausuradas, as crianças dão a vida por algum acontecimento que quebre a monotonia das aulas. Torcem para que falte luz, para que um professor fique doente, para que uma epidemia de ebola suspenda as aulas por um mês etc... Mas isso tudo não depende da vontade dessas pobres almas suspensas da vida como balões de gás presos por uma corda.

E eis, então, que algo acontece: a visita do camelivros à escola, que quebra a rotina, desacomoda a poeira nos cantos da sala, suspende a aula enfadonha. E logo surgem outros, muitos outros... Até os professores vibram com a possibilidade de gozar algumas horas de ócio...

Camelivros carregados de sacolas esbarram uns nos outros, e em si mesmos, nos corredores da escola, cada qual correndo mais que o outro para demarcar espaço, garantir sessões de autógrafos e vender livros. Um verdadeiro camelivródromo, com direito a fotos nas redes sociais expondo as inocentes presas...

E as pobres crianças? As pobres crianças alvoroçam-se como se estivessem em uma loja de brinquedos, iludidas pelo discurso frenético do vendedor. Então, o dinheirinho para o ônibus e o lanche saltam para o bolso dos camelivros, e todos, embriagados pelo efeito dessa dopamina, vivem alguns instantes de espúria felicidade e bem-estar...

Mas o que acontece quando a criança descobre que o brinquedinho veio quebrado ou com defeito? Pagou 20 fiorins e agora não vale mais  que um centavo no mercado de pulgas...


***

Nesta triste cidade, o mercado de livros está certamente contaminado pelo mito do empreendedorismo, pelo pensamento fabril, pelo utilitarismo materialista das coisas imateriais. E quem paga a perdiz são as pobres crianças sem opções de lazer, sem adultos esclarecidos que as orientem para o caminho da literatura de qualidade.

Não é de estranhar que elas queiram imitar os camelivros e, um dia, declarem nas redes sociais, nas orelhas de livros e em entrevistas que o sonho das suas vidas era "ser escritor, tiô!"

Joanim Farofa $ Pepe Caruncho
Direto da redação!

JOANIM PEPPERONI ENTREVISTA JOANIM PEPPERONI

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